Convoca.pe and Diálogo Chino visitaram esta mina, localizada a cinco horas de Lima, onde comprovaram que, em meio à frustração dos reassentados, existe um segundo conflito social: os últimos moradores, que se recusam a ser transferidos, estão sendo despejados de suas terras, e seu futuro é cada vez mais incerto.
Entre as geladas montanhas da serra central do Peru, a quase 5 mil metros de altitude, resfriam as reclamações dos últimos habitantes da antiga Morococha. A comunidade de 65 famílias insiste em não desaparecer, por mais que, há seis anos, conviva com os tremores, a poeira e o ruído das explosões do ambicioso projeto mineiro Toromocho. O projeto já consumiu 4,5 bilhões em investimento de sua operadora, a gigante chinesa Chinalco.
Situada em uma zona de risco de desastres ambientais, Mocorocha é hoje pontilhada pelos escombros das antigas edificações do povoado, o que lhe dá a aparência de ter sido palco de uma recente catástrofe. Mas a responsável é a maquinaria pesada da companhia estatal chinesa, hoje à beira de concluir a destruição dos edifícios. Seu objetivo é explorar, a céu aberto, o cobre entranhado sob as terras que era habitadas por 5 mil peruanos até outubro de 2012.
Já abandonaram o povoado, distante 160 quilômetros da capital Lima, 96% de seus habitantes originais. Seu destino foi uma nova cidade, distante 12 quilômetros, construída pela própria empresa. Restou às poucas centenas que ficaram protagonizar um conflito social que só se agrava.
O projeto não só continua, mas, com um investimento adicional de 1,4 bilhão de dólares, será ampliado para se tornar um dos mais importantes pontos de exploração de cobre no Peru. O país é hoje o segundo maior produtor mundial do mineral.
“É triste viver aqui. Não há nada em meu comércio, não há nada”, diz, entre lágrimas, Feliza Alania, do interior de seu desprestigiado armazém. Ela é uma das últimas habitantes do velho vilarejo. Antes, vendia uma média de 45 dólares diários, conta. Agora, sua família é a única a consumir as mercadorias de suas prateleiras empoeiradas.
A Chinalco tentou negociar um acordo com os moradores que permaneceram, mas estes asseguram que não aceitarão as mesmas condições que o empreendimento propôs a seus antigos vizinhos. “Ofereceram-nos umas migalhas, eu diria”, comenta o carpinteiro Máximo Díaz, marido de Alania e presidente da Frente Ampla de Defesa dos Interesses de Morococha (FADDIM), uma associação fundada depois do início do processo de reassentamento.
A empresa não reconhece o direito de propriedade dos residentes ao colocar valores para a compra de seu imóvel, assegura Noé Gamarra, representante dos antigos proprietários desalojados dali. A Chinalco, explica Gamarra, paga somente o preço das edificações construídas sobre a superfície, não do terreno. Com este critério, ressalta, as negociações variaram entre 60 e 100 dólares por metro quadrado. É a média do mercado, porém não levam em conta que no subsolo existe tanto mineral, especialmente cobre, que dá para aumentar a produção diária da mina de 117 mil para 172 mil toneladas métricas.
Na verdade, a corporação chinesa calcula chegar a esta capacidade de processamento em 2020, quando finaliza a ampliação do projeto Toromocho, obra aprovada pelo Ministério de Minas e Energia do Peru em 23 de março deste ano. Naquele mesmo dia, o então vice-presidente Martín Vizcarra assumia a presidência do país, mergulhado em uma profunda crise política que culminou com a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski.
Poucos meses depois, em junho, a Chinalco anunciou o início das obras em uma cerimônia ao lado do próprio Vizcarra. “Quando um investimento vai gerar progresso e desenvolvimento, encontra no Estado um aliado”, disse o mandatário ao público. O que se espera, depois de terminada a ampliação, é que o projeto alcance um valor de produção anual de 2 bilhões de dólares.
O problema é que a companhia não poderá cumprir a meta se ainda existirem moradores sobre o terreno que a gigante Chinalco ambiciona.
“Se não me apresentam [um acordo], que me deixem viver sossegado”, reclama Díaz. “As trepidações da mina sacodem tudo como se fosse um terremoto e em duas oportunidades afundaram o teto da minha oficina [com as pedras que caem]”, conta.
“Os policiais todos os dias nos cercam. Vigilantes, basta alguém sair, que estão rondando. Às vezes acontecem disparos [detonações]. Obrigam a todos a se afastar”, lamenta Feliza Alania. “Todos são milimetricamente controlados”, acrescenta Díaz.
Não estão exagerando. Os jornalistas do Convoca.pe e do Diálogo Chino puderam constatar como a vigilância particular seguiu nossos passos pelo antigo povoado de Morococha, solicitando nossas identificações e perguntando quais eram nossas atividades.
Como consequência, a população não confia na lei e na autoridade. Elvis Atachahua, morador de Morococha, adverte que efetivos policiais transitam em veículos contratados pela mineradora e dão apoio às demolições que a Chinalco realiza na vila sem autorização municipal. Antigamente, um acordo de colaboração firmado pela Divisão de Operações Especiais da Polícia Nacional e a companhia do governo chinês estabeleceu os privilégios que beneficiam a empresa. Esta é a imagem de desigualdade que os habitantes da antiga Morococha percebem na lei.
A mineradora, por sua vez, trata de reforçar a ideia de que é uma empresa com responsabilidade social perante o mundo. Não é para menos: Toromocho é muito importante para a Aluminum Corporation of China, matriz da Chinalco, em razão do enorme depósito de cobre que cobiça e a quantidade do metal avermelhado que seu país necessita. As reservas da mina estão estimadas em 1,5 bilhão de toneladas. No primeiro semestre de 2018, as exportações de cobre peruanas atingiram um valor de 7,7 bilhões de dólares, segundo a Sociedade Nacional de Mineração e Petróleo. A remessa de 61% deste metal teve como destino a China.
“Como é sabido por todos, os minerais de cobre são escassos na China”, disse Huang Shanfu, que foi presidente da Chinalco no Peru, em 13 de novembro de 2016, durante uma entrevista registrada pela cadeia internacional CCTV. “À medida que vai sendo implantado este projeto [Toromocho], está sendo também construída, gradualmente, uma base sólida para garantir os recursos de cobre para a China”.
Alguns veículos da imprensa chinesa, como o Sina News Finance, questionaram a decisão de ampliar a mina em um contexto de queda de preços do mineral e perdas para a empresa. (As noticias sobre a mina de Toromocho na página web da Chinalco não são atualizadas desde 2013).
Na ocasião, Huang Shanfu também insistiu em priorizar as necessidades da população de Morococha: “Consideramos necessário esclarecer o sentido de responsabilidade de nossa empresa e conseguir um desenvolvimento sinérgico entre a economia e as comunidades locais, em sintonia com nosso lema: primeiro contribuir para o desenvolvimento das comunidades locais, depois pensar na realização do projeto”.
“Quantas vezes tentaram me tirar da minha casa!”, exclama com energia Edelmira Artica, inquilina de uma edificação em cuja fachada está estampado o logotipo da Chinalco. “Seus vigilantes sabem a hora que chegamos, a hora que saímos (...). Veio até seu advogado dizendo: ‘Você já perdeu sua outra casa [na nova cidade], não tem direito a nada’. Eu não vou comer a casa, o que queremos é trabalho! Com trabalho posso ter [algo] melhor que essa casa. Só que todas as portas de trabalho foram fechadas”, critica.
Em Morococha, se alguém tem a sorte de ter um emprego, precisa cuidar dele. “Desde o dia que chegou a mineradora Chinalco, condicionaram nosso trabalho. Quando você começa, está condicionado a algo. Se acaba seu contrato, já não querem renová-lo”, disse Rolando Jerónimo, outro morador de Morococha.
Diferente de muitos conflitos sociais onde a população resiste à mineração, Morococha convive há séculos com esta atividade e por quase 80 anos com a mineração em grande escala. Em um cenário como esse, uma solução dependeria da disposição da empresa, do Estado, como facilitador, e da população para encontrar outra região para o assentamento, onde possa se estabilizar e seguir desenvolvendo suas atividades econômicas.
O problema é que a zona oferecida pela companhia não os convenceu.
A 20 minutos do povoado em ruínas, no mesmo município de Morococha, a Chinalco construiu uma nova cidade de pequenas casas de 54 metros quadrados, geminadas e alinhadas em longos pavilhões silenciosos.
A Nova Morococha tinha como objetivo receber as mais de 1.200 famílias da antiga localidade. O reassentamento começou em outubro de 2012.
Um relatório do Ministério da Habitação, de 2011, indicava que a zona escolhida não era a mais apropriada em função de uma série de riscos, incluindo o afundamento do solo devido à umidade, as inundações e os terremotos. Esta área está entre duas lagoas, que poderiam transbordar com algum movimento telúrico, assinalou o governo.
Antes da mudança, a empresa prometeu aos moradores algumas melhorias. Hoje 87% das casas são fabricadas com cimento e tijolos e o acesso aos serviços básicos aumentou bastante, pois 93% dos domicílios tem fornecimento de água e 95%, de eletricidade, segundo o último censo realizado no país pelo Instituto Nacional de Estatística e Informática, em 2017.
No entanto, a nova localidade ainda parece uma maquete. É ordenada, pequena, vazia e inanimada.
“Às vezes se vê mais cachorros que gente”, confirma Karla Vitoria, moradora e presidente da associação comercial desta nova localidade. “Olhe a rua. É silêncio. E é assim todos os dias”.
“O grande problema é que esta nova cidade não se consolidou como um espaço de moradia adequado. As pessoas estão fora do circuito econômico da região, muito afastadas de [outras] oportunidades econômicas”, aponta o economista e antigo vice-ministro da gestão ambiental José de Echave.
O pouco movimento preocupa os comerciantes. Ele reflete o baixo consumo e os parcos rendimentos dos moradores. Vitória tinha três restaurantes antes de ser reassentada. Hoje tem um. “Falaram que a qualidade de vida ia ser muito melhor. Nunca nos disseram que íamos piorar”, admitiu.
Um estudo da Universidade Nacional do Centro realizado este ano mostrou que 80,6% dos habitantes de Nova Morococha consideravam sua situação econômica melhor na antiga cidade, enquanto 76,2% acredita, que o comércio decaiu.
O que pensavam antes da transferência? O Instituto Nacional de Saúde pesquisou as percepções da população que ainda vivia na antiga Morococha em 2013, pouco depois de iniciado o processo de reassentamento. Seu relatório aponta que 52% dos habitantes estavam de acordo com a mudança, ainda que 76% assegurassem não haver participado da mesa de conversas que decidiu esta medida, em 2006.
“Não se pode dizer que está finalizado o reassentamento. Nunca foram cumpridas todas as pautas estabelecidas, e uma preocupação central era a viabilidade econômica da cidade”, lembra Javier Jahncke, advogado que acompanhou a comunidade em suas negociações com a Chinalco, através da ONG Red Muqui.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto Toromocho, elaborado para a Chinalco e publicado em 2009, assegurava que “o alojamento da [...] operação formará parte da nova cidade de Morococha”. Esta medida contribuiria com seu movimento comercial, mas depois de seis anos da reurbanização continua sendo uma promessa das mesas de conversas.
“Construíram um edifício, só que ali não há nenhum trabalhador”, atesta Jahncke.
“Objetivamente falando, no reassentamento, a Chinalco manteve conversações permanentes com as autoridades locais e ofereceu concessões, porém, com um projeto tão grande, é difícil não ter alguns problemas remanescentes”, uma pessoa que conhecia o caso informou ao jornal chinês 21st Century Business Herald. Na verdade, a situação de moradores que se recusam a deixar suas casas diante de um projeto é tão frequente que na China há uma expressão para isso: as ‘casas-cravadas’ ou ‘ding zi fu’.
Na antiga Morococha, a realidade era muito diferente. Os empregados e subcontratados das empresas de mineração Volcan, Argentum e Austria-Duvaz viviam em alojamentos próximos e visitavam com frequência o povoado. “A dinâmica econômica que os trabalhadores destas empresas geraram na [antiga] cidade com suas compras locais, e que fomenta [a] micro e pequenos negócios locais, não vai se alterar com o desenvolvimento do Projeto Toromocho”, afiançava o Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Chinalco.
A nova cidade, contudo, atravessa um momento crítico. Karla Vitoria lembra que o comércio agora depende quase de maneira exclusiva da atividade da Chinalco, que, segundo ela afirma, tem uma concessão de produtos e alimentos em seu próprio alojamento, algo que desacelera o consumo na cidade. Tal situação pode aumentar mais ainda a assimetria nas relações entre a empresa e a comunidade. Sobretudo, se alguém levanta a voz para reclamar.
Karla Vitoria, que como representante da associação de comerciantes reassentados transmite suas queixas à Chinalco, diz ter ouvido comentários de alguns trabalhadores subcontratados pela mineradora. Lembra testemunhos como este: “Senhora, não vamos consumir. Disseram que não podemos comprar de você. Motivos? Não sei e não posso dar mais detalhes, só nos orientaram que devemos comprar de fulano e sicrano”.
“E fulano e sicrano são os que nunca se queixam, os que nunca reclamam de nada, os que sempre estão bem e são felicitados. Não sei como interpretar isso”.
A dependência econômica, portanto, provocou certa autocensura nos comerciantes e nos aspirantes aos postos de trabalho.
“O que queremos é fazer as coisas com liberdade, sem temer que amanhã nos ‘marquem’ ou que não comprem em nossos comércios”, reclama Vitoria. “Para isso temos que estar rodeados, como estávamos antes, de mais empresas mineradoras. Se não, cada negócio vai se apagar como uma vela, como já está acontecendo”, esclarece.
Um exemplo claro da crise que atravessa o comércio local é o novo mercado da cidade. Às 10 da manhã de uma sexta-feira, os corredores estão escuros e cobertos de terra. Não há clientes nem comerciantes na maioria das cem bancas construídas. Só encontrei atendimento em dez, próximas à porta principal. “É dia de feira”, informam.
O desemprego é mais um fator que atormenta os rendimentos e o consumo. Outro dos contextos que a mineradora apresentava no Estudo de Impacto Ambiental era “oferecer oportunidades de emprego de maneira equitativa para homens e mulheres, desde que reunissem os requisitos de capacitação necessários para trabalhar no Projeto [Toromocho]”.
Em 2017, por exemplo, o desemprego chegava a 52% da população, segundo uma pesquisa da Universidade Nacional do Centro em 294 residências da nova cidade. A falta de trabalho estável é uma das principais razões para que os habitantes da antiga Morococha se oponham à mudança.
Olhando para trás, César Reyna, ex-assessor da prefeitura de Morococha para o processo de assentamento, acredita que foi um erro os moradores afetados aceitarem a venda de suas casas para a Chinalco sem haver fechado, antes, as negociações sobre as condições de sua relocação e a viabilidade da nova cidade.
Em outras palavras, o processo “se deu ao contrário”: com suas terras já transferidas, a comunidade perdeu a capacidade de pressionar para exigir da empresa o cumprimento de seus compromissos. Isto fica evidente na mesa de conversas que reúne a população afetada, as autoridades e a mineradora, que começou a trabalhar em 2008 e ainda não fechou um acordo definitivo. Ao final, esta situação só prejudica aos morocochanos.
Enquanto isso, sem um desfecho claro, não se avizinha um futuro sustentável para a nova capital distrital. O temor de todos é que Nova Morococha se transforme em uma cidade-fantasma.
A maioria dos que partiram dali são mulheres: em 2007, Morococha tinha 5.397 habitantes: 3.176 eram homens e 2.122 mulheres, conforme o censo do Instituto Nacional de Estatística e Informática do governo peruano. Dez anos depois, no censo de 2017, dos 5.155 habitantes entrevistados no ano passado, 3.486 eram homens e somente 1.669, mulheres.
Qual a viabilidade ambiental, social e econômica de Nova Morococha? “É uma situação extrema, onde a organização e o tecido social se romperam, não há unidade para participar dos espaços de negociação, existe um problema ambiental com um depósito de resíduos tóxicos [a lagoa Huascocha com rejeitos e detritos resultantes da mineração] e a economia não funciona porque a empresa não cumpriu sua parte”, reafirmou o advogado Javier Jahncke.
Além disso, já são evidentes os primeiros sinais de contaminação ambiental. O Ministério da Saúde diagnosticou, em abril deste ano, 27 crianças menores de 12 anos com intoxicação por chumbo.
Empresas de mineração próximas não se destacam por sua cuidadosa prática ambiental. Por exemplo, em 2014, a Chinalco recebeu uma notificação do Órgão de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) pelo mau uso da água e teve que suspender as operações da mina temporariamente. Em uma entrevista na publicação econômica 21st Century Business Herald, executivos da empresa sustentaram que ela se comprometia a “cumprir estritamente com todas as regulamentações e a supervisão local, imediatamente suspendendo suas atividades mineiras, contratando uma avaliação científica e implantando todas as medidas para reiniciar novamente suas atividades, tão breve fosse possível”.
O investimento do estado peruano no distrito de Morococha é reduzido. No orçamento de 2017 comprometeu apenas 1,5 dólares per capita para assuntos ambientais; 0,7 dólares para matéria econômica; 9 dólares para o social e 160 dólares para o institucional, conforme relatório do Centro Nacional de Planejamento Estratégico do governo do Peru.
Perto das seis horas da manhã da sexta-feira, 7 de setembro deste ano, efetivos da Divisão de Operações Especiais da Polícia Nacional chegaram a Antiga Morococha em um miniônibus branco sem identificação oficial. Com escudos, capacetes e fuzis, cercaram o deteriorado edifício municipal onde antes havia funcionado um abrigo de idosos. Os trabalhadores contratados pela Chinalco encostaram umas escadas no muro e iniciaram a demolição do prédio.
Os vizinhos exigiram ver a autorização para a demolição, mas foram repelidos pelo destacamento policial. Por causa deste incidente, 17 deles haviam sido denunciados por supostos distúrbios por um advogado da companhia, entre eles uma mulher de 80 anos, como consta nas ocorrências do Ministério Público às quais o Convoca.pe teve acesso. A prefeitura, por sua vez, também registrou uma denúncia contra a empresa por delito agravado contra o patrimônio e dano à materialidade, devido à destruição de infraestrutura considerada pública.
O abrigo, na realidade, é uma pequena parte de um extenso terreno de 34 hectares que estava sendo disputado em um litígio entre a comunidade e a estatal chinesa.
Até fevereiro deste ano o extenso prédio era propriedade da administração municipal distrital de Morococha, que havia se comprometido, desde 2003, a destiná-lo para titulação dos moradores posseiros do local. Entretanto, os 34 hectares estão agora em nome da Chinalco.
“Isto foi muito rápido”, revela Elvis Fuster, vice-presidente da Frente de Defesa dos Interesses de Morococha. O dirigente aponta que os movimentos burocráticos que fizeram com que os moradores da localidade perdessem suas terras coincidiram com os últimos meses de governo do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, até pouco antes de sua renúncia.
Para a surpreendente mudança de propriedade, só foi necessária a entrada em vigência de duas normas. E aplicá-las.
A primeira, publicada em novembro de 2017, foi um artigo da lei que agilizava as expropriações e que converteu em ilegal a posse de prédios em zonas de risco como medida de prevenção de desastres. A norma foi aprovada pelo Congresso peruano no contexto da reconstrução nacional, depois do fenômeno climático El Niño, que causou 162 mortes por chuvas e inundações, deixou mais de 1,3 milhões desabrigados e 373 mil construções afetadas naquele ano, de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Defesa Civil.
Na prática, a proibição de posse nestas zonas deixaria à margem da legalidade qualquer edificação da antiga Morococha e de qualquer outro local de caraterísticas similares. Como consequência, ficou estabelecido que a Superintendência Nacional de Bens Nacionais (SBN) passaria a tutelar este tipo de terras.
A segunda norma foi a regulamentação desse mesmo artigo, que afasta os proprietários do processo das expropriações por estes motivos. E mais. Regulamentou a “declaração de intangibilidade” para fins de moradia neste tipo de zonas perigosas, de maneira que tais lugares ficaram inabitáveis. Esta última disposição entrou em vigência em 10 de janeiro deste ano.
As datas são essenciais para entender a celeridade do processo legal em Morococha.
Um dia antes da entrada em vigor da regulamentação, em 9 de janeiro, foi aprovada a proposta do Ministério de Minas e Energia peruano para nomear Ricardo Labou Fossa, então vice-ministro de Minas, como presidente de Ativos Mineiros SAC (AMSAC), companhia estatal peruana dedicada à descontaminação ambiental e à supervisão de projetos de mineração. Em 17 de janeiro, Labou assumiu as funções de diretor. No dia 18, a gerência geral da AMSAC solicitou a mencionada “declaração de intangibilidade” dos 34 hectares da antiga Morococha.
O nome de Ricardo Labou se destaca nesta operação. O economista, com longa trajetória no setor de mineração trabalhou, entre 2006 e 2014, na mineradora anglo-australiana Rio Tinto, que no Peru opera o projeto de cobre La Granja, em Cajamarca, norte do país.
Por sua vez, a Rio Tinto tem entre seus acionistas uma importante empresa chinesa. De acordo com seu último relatório anual corporativo (2017), a Aluminum Corporation of China – proprietária da Chinalco que atua na região de Morococha – controla 10,32% do poder de voto na Rio Tinto Group, através de sua offshore Shining Prospect Pte Ltd, com sede em Singapura. Participa do capital desta corporação desde 2009: ou seja, enquanto Labou prestava serviços na companhia.
De 26 de outubro até o fechamento dessa reportagem, insistimos reiteradamente em entrevistar com os representantes de Mineradora Chinalco Peru SA. Tentamos via telefônica, enviamos correios eletrônicos e apresentamos nossa solicitação via assessoria de imprensa. Também deixamos mensagens para Álvaro Barrenechea Chávez, gerente de assuntos corporativos e representante oficial, e uma carta nos escritórios da empresa em Lima, com nossas perguntas (que aqui repetimos). Da mesma maneira buscamos o antigo vice-ministro Ricardo Labou por telefone, correio eletrônico e mensagens na sua conta pessoal em uma rede social. Até hoje não recebemos nenhuma resposta da empresa ou do ex-funcionário.
Enquanto isso, o conflito continua latente em Morococha.
“Quando disseram que ia chegar a empresa Chinalco, [acreditávamos] que voltaria a época da Cerro de Pasco Copper [Corporation]. A população se alegrava, se alegrava! Pela porta principal os senhores entraram! Não sabíamos que ia acontecer isso”, diz Máximo Díaz, o carpinteiro de 66 anos que viu Morococha crescer durante muito tempo, graças à exploração do mineral que está escondido debaixo da terra.
Mesmo que hoje o gigantesco projeto Toromocho – que constitui o maior investimento de sua história – ameace a sobrevivência de sua comunidade, Máximo Díaz se mantém firme e confia no investimento responsável: “Não estamos contra a mineração, de nenhuma maneira. Apostamos 100% nela”. Mas ele e os últimos moradores continuarão exigindo as condições que consideram justas. “Não há nada impossível para nós. Estamos lutando para que nossos direitos sejam respeitados, não outra coisa”.